[Carlos Felipe Moisés]
O peito é de vidro.
Os olhos, porcelana
delicada e astuta.
Da língua escorre
o néctar sutil.
As patas são de estanho,
mas sabem se mover
imóveis: mal flutuam.
O ventre é quase nada,
pura transparência
onde se escondem
o dorso e seus andaimes.
Não tem entranhas.
A pele
de tão fina já não é:
limita
semovente
o nada de fora
e o quase nada de dentro.
O peito é de vidro
mas às vezes se desmancha
em pétalas.
Dentro
pulsa um coração
que imobiliza tudo em torno.
O rabo, sim,
é feito de algo insuspeitado:
nuvem
algas
milhares de roldanas
e desejos
enrodilhados na engrenagem
que espaneja o chão
e foge
para o céu aberto.
[In: Subsolo, São Paulo, Massao Ohno, 1989]
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