1 - Sinto muito, Carlos, mas você não conseguiu escrever um "soneto duro ... difícil de ler", que não depertasse "em ninguém nenhum prazer." Esse é o problema de quem foi condenado a ser Poeta na exata [talvez única] acepção do termo o tempo inteiro, mesmo que resolva tentar destruir a própria oficina, ou ser destruído por ela. Deve ser muito difícil para você, Carlos, conseguir escrever um poema "seco, abafado", etc., etc., etc.
2 - "Cão mijando no caos...", que verso!
2 - "Cão mijando no caos...", que verso!
Oficina irritada
[Carlos Drummond de Andrade]
Eu quero escrever um soneto duro
como poeta algum ousara escrever.
Eu quero pintar um soneto escuro,
seco, abafado, difícil de ler.
Quero que o meu soneto, no futuro,
não desperte em ninguém nenhum prazer.
E que no seu maligno ar imaturo,
ao mesmo tempo saiba ser, não ser.
Este meu verbo antipático e impuro
há de pungir, há de fazer sofrer,
tendão de Vênus sob o pedicuro.
Ninguém o lembrará: tiro no muro,
cão mijando no caos, enquanto Arcturo,
claro enigma, se deixa surpreender.
[in Claro Enigma]
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