sábado, 20 de outubro de 2012

Oficina irritada

1 - Sinto muito, Carlos, mas você não conseguiu escrever um "soneto duro ... difícil de ler", que não depertasse "em ninguém nenhum prazer." Esse é o problema de quem foi  condenado a ser Poeta na exata [talvez única] acepção do termo o tempo inteiro, mesmo que resolva tentar destruir a própria oficina, ou ser destruído por ela. Deve ser muito difícil para você, Carlos, conseguir escrever um poema "seco, abafado", etc., etc., etc.

2 - "Cão mijando no caos...", que verso!



Oficina irritada

[Carlos Drummond de Andrade]

Eu quero escrever um soneto duro
como poeta algum ousara escrever.
Eu quero pintar  um soneto escuro,
seco, abafado, difícil de ler.

Quero que o meu soneto, no futuro,
não desperte em ninguém nenhum prazer.
E que no seu maligno ar imaturo,
ao mesmo tempo saiba ser, não ser.

Este meu verbo antipático e impuro
há de pungir, há de fazer sofrer,
tendão de Vênus sob o pedicuro.

Ninguém o lembrará: tiro no muro,
cão mijando no caos, enquanto Arcturo,
claro enigma, se deixa surpreender.



[in Claro Enigma]

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