sexta-feira, 1 de junho de 2012

Ausência

[Vinicius de Moraes]




Eu deixarei que morra em mim o desejo de amar 
                                  [os teus olhos que são doces
Porque nada te poderei dar senão a mágoa 
                                  [de me veres eternamente exausto.
No entanto a tua presença é qualquer coisa como a luz e a vida
E eu sinto que em meu gesto existe o teu gesto 
                                                 [e em minha voz a tua voz.
Não te quero ter porque em meu ser tudo estaria terminado
Quero só que surjas em mim como a fé nos desesperados
Para que eu possa levar uma gota de orvalho 
                                                 [nesta terra amaldiçoada
Que ficou sobre a minha carne como nódoa do passado.
Eu deixarei... tu irás e encostarás a tua face em outra face
Teus dedos enlaçarão outros dedos e tu desabrocharás 
                                                 [para a madrugada
Mas tu não saberás que quem te colheu fui eu, 
                           [porque eu fui o grande íntimo da noite
Porque eu encostei minha face na face da noite 
                                     [e ouvi a tua fala amorosa
Porque meus dedos enlaçaram os dedos da névoa 
                                               [suspensos no espaço
E eu trouxe até mim a misteriosa essência 
                                     [do teu abandono desordenado.
Eu ficarei só como os veleiros nos pontos silenciosos
Mas eu te possuirei como ninguém porque poderei partir
E todas as lamentações do mar, do vento, do céu, 
                                               [das aves, das estrelas
Serão a tua voz presente, a tua voz ausente, a tua voz serenizada.
 

 

[MORAES, Vinícius de. ANTOLOGIA POÉTICA.]

Nenhum comentário: