quarta-feira, 30 de julho de 2014

Manuel Bandeira & João Cabral de Melo Neto

O último poema
[Manuel Bandeira]

Assim eu quereria meu último poema
Que fosse terno dizendo as coisas mais simples 
                                                [e menos intencionais
Que fosse ardente como um soluço sem lágrimas
Que tivesse a beleza das flores quase sem perfume
A pureza da chama em que se consomem os diamantes 
                                                                        [mais límpidos
A paixão dos suicidas que se matam sem explicação.

[50 poemas escolhidos pelo autor. São Paulo: Cosac Naify, 2006, pág. 35]

  
O último poema
[João Cabral de Melo Neto]
  
Não sei quem me manda a poesia
nem se Quem disso a chamaria.

Mas quem quer que seja, quem for
esse Quem (eu mesmo, meu suor?),

seja mulher, paisagem ou o não
de que há preencher os vãos,

fazer, por exemplo, a muleta
que faz andar minha alma esquerda,

ao Quem que se dá à inglória pena
peço: que meu último poema

mande-o ainda em poema perverso,
de antilira, feito em antiverso.


[Agrestes, in: A educação pela pedra e depois. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1997, págs 252-253] 

Nenhum comentário: