Antonia Flor, 80
[Rubervam Du Nascimento]
Antonia Flor, 80
na mira de fazendeiros
com seus fuzis de silêncio
montou seu cavalo de sonhos
pra enfrentar a noite
nunca mais voltou
a última vez que foi vista
repartia lotes de nuvens
com os perseguidos do céu
Antonia Flor, 80
na mira de fazendeiros
com seus fuzis de silêncio
montou seu cavalo de sonhos
pra enfrentar a noite
nunca mais voltou
a última vez que foi vista
repartia lotes de nuvens
com os perseguidos do céu
[Marco Lusbel desce ao inferno. Rio de Janeiro: Blocos, 1997]
Canção de Amor e Morte
[Paulo Machado]
Antônia Flor - flor de gameleira -
toda manhã lavrava a terra
com a sabença de quem conhecia
o sabor agridoce dos araçás.
Antônia Flor - flor de gameleira -
na cinzentura da tarde, guardava
no aprisco cabritos e borregos
da fúria profana dos carcarás.
Antônia Flor - flor de gameleira -
aos oitent'anos tinha os olhos acesos
a alumiar, como os olhos de maracajás.
Antônia Flor - flor de gameleira -
fez do amor à terra sua peleja,
sua crença, sua razão de bem-viver.
Antônia Flor - flor de gameleira -
teve o corpo crivado de balas -
à sombra de uma velha ingazeira.
Carpideiras passaram excelências
e tiranas, com a notícia da morte
a correr nos estirões das veredas.
[Baião de todos, antologia, Teresina: Fundapi, 2016. p. 204]